22 março 2009

Faz hoje um mês...

Bruxelas, 2 de Março de 2009


Carta ao avô Ferraz,

São 17:40, cheguei há pouco do Porto onde passei as duas últimas semanas.

Cheguei dia 17 a Portugal, tinha comprado a viagem poucas horas antes e o único voo que consegui para o próprio dia ia directo a Lisboa. O meu pai e o meu irmão foram-me buscar. Três horas e uma refeição rápida depois e estava a entrar com a minha mãe pelo Hospital São João para onde te tinham levado 48 horas antes.

Nessa mesma manhã ela tinha-me ligado, do outro lado ouvi-a dizer “Pediste-me para te avisar se as coisas piorassem... (hesitação)… Chegou a altura Ju!”. De cabelos molhados, enrolada na toalha de banho, a chorar e tremer convulsivamente repetia para mim própria que aquilo não podia estar a acontecer.

Já perto da meia-noite, voávamos através dos corredores mal iluminados, uma ou outra enfermeira olhava para nós com expressão inquiridora mas ninguém fez perguntas, a minha mãe pedia-me para tentar não chorar mas eu sabia que isso não ia acontecer.
“Ele está aqui.”

Entrei na enfermaria, estavas com o rosto voltado para a janela a olhar o infinito, a tia Lena sentada a teu lado. Contornei a cama, olhaste para mim e estremeceste. O meu peito apertou-se, esqueci-me de respirar, tudo parecia estar em pausa. E depois abriste os braços para mim e eu fechei-te nos meus, encostei-me ao teu peito e as lágrimas começaram a cair, umas atrás das outras, as primeiras de tantas.

No avião olhava a contracapa do último livro do Saramago e aquela frase ecoava na minha mente “Sempre chegamos aonde nos esperam.”
Espera por mim, avô. Espera por mim.

Morreste a 22 de Fevereiro, perto das duas da manhã, com as tuas filhas ao teu lado. Tu não sabes, mas eu estava acordada a essa hora, todos se tinham ido deitar, mas o sono teimava em aparecer e sentei-me no sofá a ver “E Tudo o Vento Levou” - apropriado não achas? – acabei por adormecer ali, enrolada na manta, assim como tu adormeceste…

Durante as tardes no hospital o teu espírito vagueava entre a lucidez e a inconsciência, custava-te a respirar e eu passava horas a fio a massajar-te o peito, na esperança de te aliviar um pouco as dores. O teu coração estava débil mas ainda agora o sinto a bater na palma da minha mão. Olhavas para a avó, para mim, às vezes tentavas falar, e eu dizia-te que estava tudo bem, para não te preocupares, passava-te a mão pelos cabelos e sussurrava-te ao ouvido:
Descansa avô.

Velei o teu corpo. Abracei dezenas de pessoas que choraram comigo as saudades que ainda estavam para vir, todos os momentos perdidos, e tantos outros que nunca serão. No cemitério depositei-te um beijo na testa, como tantas vezes o tinha feito, mas desta vez não sorriste de volta.
Descansa avô.

Um beijo, a última recordação. Tinha anoitecido, o enfermeiro pedia para sairmos, e tu chamaste-nos, uma por uma, a avó, a tia Lena e ias depositando um beijo na face a cada uma de nós. Aproximei-me de ti, afaguei o teu rosto e murmurei “Amo-te muito avô!”.
Beijaste-me e partiste com um pedaço de mim.